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(Entrevista para a jornalista Viviane Pereira, 01/julho/07)
Nome: Arnaldo Sisson Filho
Idade: 54
Profissão: Economista
Religião: Cristão-católico
Vegetariano desde: 1973
1. Em sua opinião, na questão religiosa, por que é importante ser vegetariano?
Dentro
do tipo de cristianismo que pratico, baseado nas interpretações e
iluminações místicas da Dra. Anna Kingsford, destacaria dois aspectos; o
primeiro está dentro da frase do apóstolo Paulo quando escreveu: “Não
vos iludais, de Deus não se zomba. De acordo com o que semeardes, assim
colhereis.” Essa é a leia da Justiça Divina. Então, nesse primeiro
aspecto, se semearmos dor, não colheremos felicidade, alegria, mas sim
colheremos dor. É só olhar para o mundo e perceber isso. Semeamos dor e
colhemos dor.
O
segundo é que a alimentação baseada na carne embrutece, ou,
alegoricamente, mata, nossos sentidos mais nobres, isto é, nossas
intuições, ou nossa percepção espiritual.
Nossos
veículos, tanto o físico quanto os psíquicos, são as lentes por meio
das quais vemos o universo, o mundo. Se não forem sensíveis (o que
depende, inicialmente, de uma alimentação pura e vitalizante),
trocaremos nossa herança divina por um mísero prato de lentilhas, como
na parábola bíblica.
2. Você acredita que a religião pode influenciar a pessoa para escolher uma dieta vegetariana?
Seguramente.
Se uma religião não fizer isso, não merece sequer o nome de religião. O
que vemos hoje em nosso país, majoritariamente, não é religião, mas sim
“re-perdição”.
Cristianismo
é fazer nascer e crescer em nós o Cristo Jesus que há em nosso
interior. Novamente, na linguagem do apóstolo Paulo, “o Cristo em nós, a
esperança de glória”. Isso depende, basicamente, de pureza e bondade em
nossas vidas.
O comer
carne é o oposto disso, é impureza e crueldade. É o predomínio do
materialismo, dos sentidos externos, da ilusão de que é possível nos
beneficiarmos por meio da dor alheia. Enquanto não acordarmos para isso,
a dita religião continuará, na verdade, re-perdição: cegos perdidos
conduzindo cegos também à perdição da cegueira espiritual.
E
o vegetarianismo, como regra geral, é o ABC desse processo de
aproximação do ser humano a Deus, do nascimento do Cristo em nós, da luz
divina que nasce no seio de nossas almas e de nossas mentes.
3. Você acha que as religiões devem determinar ou indicar aos seus seguidores que sigam uma dieta vegetariana?
Como
disse, isso é o início, o alicerce, o ABC da vida religiosa. É verdade
que o que sai de nossas bocas é mais importante do que aquilo que entra
por nossas bocas. Isso, contudo, não significa que o que entra por elas
não seja importante. Significa apenas que o que pensamos e falamos é
mais importante ainda
4. Sua religião tem tradição em vegetarianismo?
Infelizmente
a tradição vegetariana dos primeiros cristãos, que era muito forte, ao
longo dos séculos ficou quase perdida. Ela, no entanto, era muito forte
entre o cristianismo dos primeiros tempos, a ponto o apóstolo Paulo se
ver obrigado a intervir, de forma conciliadora e fraternal, entre grupos
que se acusavam mutuamente, uns vegetarianos e outros não.
Nesse
sentido, entre outros, vemos a importância da obra da Dra. Anna
Kingsford, uma grande mística e profeta cristã, ainda não reconhecida
pelo cristianismo materialista e idólatra que predomina hoje, e desde
muitos séculos.
5. Sua religião tem alguma determinação ou recomendação para que as pessoas sigam o vegetarianismo? Em caso afirmativo, por quê?
Penso
que a melhor forma que posso responder é trazendo algumas palavras da
Dra. Kingsford e de seu grande colaborador Edward Maitland:
“Em
todos os lugares na cristandade católica os pobres e pacientes animais,
que não podem falar, suportam todas as espécies de tormentos sem uma
única palavra ser pronunciada em sua defesa pelos instrutores da
religião. Isso é horrível – é deplorável. E a razão para tudo isso é que
os animais são popularmente considerados como não possuindo almas.
Digo, então, parafraseando as palavras de Voltaire que “se fosse verdade
que eles não possuem almas, seria necessário inventar almas para eles”.
A Terra se tornou um inferno para os animais por causa dessa doutrina.
Vejam a vivissecção, e a tolerância da Igreja para com ela. (…) Quais
sofrimentos são mais amargos do que os deles, quais injustiças tão
profundas, e que necessidade de compensação tão espantosa? Como uma
mística eu sei que os animais não são destruídos pela morte, mas se eu
pudesse duvidar disso – digo isso solenemente – eu também deveria
duvidar da justiça de Deus. Pois como eu poderia dizer que Deus seria
justo para o homem se ele fosse tão amargamente injusto para com os
queridos animais?”
(Vol. II, p. 312) [Anna Kingsford – Her Life, Letters, Diary and Work. 3ª. Edição, editada por Samuel Hopgood Hart. John M. Watkins, Londres, 1913. Vol. I, 442 pp.; Vol. II, 466 pp.]
“Indo
além dos limites dos iniciados e adentrando a esfera dos ignorantes, a
religião sempre se tornou degenerada em alguma forma de adoração de
fetiches, variando em seus graus de crueldade e sensualismo de acordo
com o estado geral do povo e de seus sacerdotes. E essas duas regiões de
sua manifestação, a interna e a externa, a espiritual e a material, a
compassiva e a egoísta, a intuicional e a dos sentidos, se tornaram nas
mãos dos seus respectivos representantes – o profeta e o sacerdote – tão
essencialmente antagônicas uma à outra quanto a luz e a escuridão.
“O
profeta cultivando as intuições e a empatia, apelando diretamente para a
alma e para Deus, representando o lado espiritual da natureza humana;
enquanto o sacerdote, cultivando formas e aparências, apelando para os
sentidos e o ser externo, e fazendo a salvação dependente do sacrifício
de outros em prol de seu próprio ser, ao invés do sacrifício do ser
inferior em prol do ser superior por meio de viver uma vida melhor.
“O
processo por meio do qual eu fui levado a descobrir a verdadeira
natureza e fonte do conflito sempre furiosamente ocorrendo no mundo,
entre a alma e os sentidos externos, entre o ser e a aparência, entre o
profeta e o sacerdote – um processo no qual o abandono de uma dieta de carne foi uma parte essencial –
se provou indispensável para minha preparação para o trabalho ao qual
estava destinado a realizar.” (pp. 46 e 47) [Edward Maitland– The Soul and How It Found Me. Tinsley Brothers, Londres, 1877. 307 pp.]
“A
interrupção em meu trabalho foi causada por ter sido colocado sob um
forte impulso de tomar parte nos esforços que estavam sendo feitos para
salvar nossos irmãos animais dos horrores da vivissecção e dos
laboratórios de pesquisa. Eu estava consciente de um claro estímulo
espiritual para esse propósito, e sob sua influência fui capacitado para
produzir algumas palavras de apelo que foram diretamente ao coração da
Inglaterra. Pois as duas cartas que escrevi sobre esse assunto foram
reimpressas aos milhares, tanto por sociedades quanto por indivíduos, e
ambas serviram para conquistar novos adeptos da causa humanitária, e
fortalecer as mãos dos trabalhadores então existentes dessa causa.
“Ao uso que se fez de minha pessoa em favor da questão da vivissecção, e ao vívidoinsightque
me foi dado acerca da verdadeira natureza da influência que se
manifesta entre nós sob o nome de ciência materialista – como sendo uma
encarnação do princípio do mal em seus mais baixos níveis e em seus mais
abomináveis aspectos – eu posso claramente encontrar a causa da plena
abertura da visão espiritual que me qualificou para o trabalho que em
breve eu seria chamado a realizar. Pois me foi mostrado que os
sacerdotes da ciência, possuídos pelo demônio do egoísmo, foram
conduzidos a arrastar o mundo a um inferno pior do que jamais os
sacerdotes da religião o tinham levado. E o princípio de ambos os
sacerdotalismos era o mesmo – a busca da salvação do seu próprio ser por
meio do sacrifício de outro.” (pp. 51-52) [Edward Maitland – The Soul and How It Found Me. Tinsley Brothers, Londres, 1877. 307 pp.]
6. Você acredita que ser vegetariano influencia na aproximação com Deus? Por quê?
Acho
que já respondi antes: – porque purifica nossos veículos, facilitando
sobremaneira a percepção espiritual, e porque é uma expressão do amor
divino. Como disse um filósofo, o olho só pode ver o sol porque antes se
fez semelhante a ele, ainda que em miniatura. Então, talvez possamos
dizer que o homem só pode ver a Deus se se fizer semelhante a Ele, ainda
que em miniatura. Penso que é isso que está no Sermão da Montanha:
“Bem-aventurados os que choram, porque eles serão consolados.
“Bem-aventurados os mansos, porque eles herdarão a Terra.
“Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque eles serão fartos”.
“Bem-aventurados os misericordiosos, porque eles alcançarão misericórdia”.
“Bem-aventurados os limpos de coração, porque eles verão o Deus.
O
vegetarianismo é o fundamento, a base dessa vida. O vegetariano chora e
é manso para com nossos irmãos menores, os pequeninos, ele tem fome de
justiça para com os pequeninos, ele é misericordioso para com eles, e é o
início da purificação de nossos corações, mentes e corpos.
7. Por que você é vegetariano? A religião teve alguma influência sobre essa decisão?
Sou
vegetariano por amor aos nossos irmãos menores. Somos para eles como
seres semi-divinos, pois para eles nós detemos faculdades para-normais,
por assim dizer. Se os tratamos de forma cruel, a Justiça Divina não nos
trará bem-aventuranças, não nos trará a luz, a glória de Cristo, mas
nos trará a dor, a tristeza e a cegueira espiritual.
8. Você
acredita que Cristo era vegetariano? Em caso afirmativo, como explica o
milagre da multiplicação de peixes? Você crê que comer carne não
corresponde à visão de vida de Cristo?
Como
dizia o próprio Cristo Jesus: “exceto para vocês (os seus discípulos ou
apóstolos), eu não falo NADA que não seja em parábolas”. Os
evangelistas seguiram o preceito do seu Mestre. Escreveram de forma
alegórica seus evangelhos. A alegoria da multiplicação dos pães e dos
peixes é uma linda parábola, onde o pão representa o conhecimento
religioso superficial, e os peixes o conhecimento religioso profundo,
místico. São símbolos milenares. E o alimentar em abundância as
multidões com esses conhecimentos é característica dos Filhos de Deus,
dos Cristos de todas as épocas e nações.
A
leitura literal dessa e de outras tantas parábolas é conseqüência da
cegueira espiritual. Quando fazemos essa leitura literal, pretendendo
ser fatos históricos o que é uma alegoria, cometemos, assim, um dos
piores pecados, a idolatria. Adoramos a forma, e matamos o sentido
vivificante.
Hoje é
fato considerado mais do que provável que Cristo Jesus esteve com os
essênios, ao menos em boa parte de sua vida. E os essênios eram todos vegetarianos.
9. Se Cristo era vegetariano, por que nem todos os cristãos são, já que, em tese, seguem o caminho do Mestre Jesus?
Porque
os que se chamam cristãos, desde muitos séculos, têm pouco de cristãos.
São grupos dominados pelo materialismo e pela idolatria (pelos sentidos
e pela cegueira espiritual). Nesse contexto, com grande freqüência os
santos e profetas foram incompreendidos e às vezes até mesmo perseguidos
pelos próprios ditos cristãos. Veja os exemplos, entre muitos e muitos
outros, de Roger Bacon (aprisionado por longos anos), de Thomas More
(aprisionado e decapitado), de Giordano Bruno (aprisionado e queimado),
de Malagrida, o taumaturgo do Brasil (aprisionado por anos e queimado em
Portugal pela “santa” Inquisição), e de Anna Kingsford, ridicularizada e
desprezada até nossos dias. Todos por pessoas e grupos que se diziam e
se dizem cristãos.
Os
símbolos sagrados do cristianismo precisam ganhar a vida de uma
interpretação espiritualmente lúcida, isto é, cristã, ou crística. Como
na profecia dos ossos secos que recobram a vida.
É
o espírito dessa interpretação de vivifica a letra e os símbolos, e sua
leitura literal e materialista mata, como escreveu o apóstolo Paulo.
Mata primeiro espiritualmente, e depois fisicamente.
E
a alimentação de carnes é uma expressão típica dessa matança. Pior do
que ela só a tortura da vivissecção e dos testes da dita ciência usando
os pequeninos inocentes e indefesos, a qual é a apoteose dessa cegueira
espiritual dessa época idólatra e materialista.
10. Você
acha que se a comunidade cristã soubesse e/ou acreditasse que Cristo
era vegetariano, mais pessoas deixariam de comer carne?
Certamente
que sim. Mas como saberão se os seus líderes religiosos, a quem seguem,
são cegos espiritualmente, que defendem a matança, a crueldade e até
mesmo a tortura diabólica da vivissecção e dos testes ditos científicos
com os pequeninos? A religião, algum dia, se tornará re-ligação com
Deus, e deixará de ser, como hoje, re-perdição na idolatria e no
materialismo.
11. Explique um pouco sobre os principais conceitos e bases da sua religião.
Já
algo foi dito, mas, resumindo: a religião do Cristo Jesus, no Alto, à
direita do Pai, e também dentro de nós, em nossos corações e mentes, é a
religião da pureza e da bondade. E o vegetarianismo é uma expressão,
ainda que básica, desses preceitos eternos.
12. Fique à vontade para acrescentar o que considerar necessário.
Apenas mais uma citação da Dra. Kingsford, que gosto muito:
“Considero
o movimento vegetariano o mais importante movimento de nossa época.
Acredito nisso porque vejo nele o começo da verdadeira civilização.
Minha opinião é que até o presente momento não sabemos o que significa
civilização. Quando olhamos para os cadáveres dos animais, sejam
inteiros ou cortados – que com molhos e condimentos são servidos em
nossas mesas – não pensamos no horrível fato que precedeu esses pratos;
e, não obstante, é algo terrível saber que a cada refeição que fazemos
foi a custo de uma vida. (…) Milhares de pessoas são degradadas pela
presença de abatedouros em suas vizinhanças, o que condena classes
inteiras a uma ocupação aviltante e desumana. Aguardo pelo tempo em que a
consumação do movimento vegetariano tenha criado homens perfeitos, pois
vejo nesse movimento o alicerce da perfeição. Quando percebo as
possibilidades do vegetarianismo e as alturas a que ele pode nos elevar,
me sinto convencida de que ele se provará o redentor do mundo.”
[Anna
Kingsford – citada por Samuel H. Hart, em In Memoriam Anna Kingsford.
Este livreto contém o texto completo da palestra proferida por ele para a
Sociedade Vegetariana de Leeds, em 15 de setembro de 1946, na
comemoração do Centenário do nascimento de Anna Kingsford.]
Fonte: vegetarianismo.com.b
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